Trípoli - Os líbios se encontraram com dois primeiros-ministros nesta sexta-feira, aumentando o espectro de violência renovada em um país onde as elites ignoraram os desejos dos cidadãos de escolher seus líderes, dizem analistas.
Após semanas de manobras desde que as eleições de 24 de dezembro foram adiadas indefinidamente, a Câmara dos Deputados no leste do país escolheu na quinta-feira o ex-ministro do Interior e ex-piloto de caça Fathi Bashagha para substituir o primeiro-ministro interino Abdulhamid Dbeibah.
Mas Dbeibah, um magnata da construção nomeado há um ano como parte dos esforços de paz liderados pelas Nações Unidas, prometeu apenas entregar o poder a um governo eleito.
Peter Millett, ex-embaixador britânico no país, disse à AFP que a principal divisão agora "é entre o povo líbio - que quer eleições - e a elite política, que não quer".
Ele observou que mais de dois milhões de líbios, de uma população total de sete milhões, coletaram cartões de eleitor no ano passado, mostrando o desejo de escolher novos representantes em dezembro, quando as eleições legislativas e presidenciais deveriam ser realizadas.
"A motivação de muitos parlamentares é manter empregos e privilégios em vez de permitir um processo tranquilo que leve a eleições", disse Millett.
Não é a primeira vez que o país rico em petróleo do norte da África se vê com dois primeiros-ministros.
Dilacerada por uma década de conflitos desde uma revolta apoiada pela Otan em 2011 que derrubou o ditador Muamer Kadhafi, a Líbia teve dois chefes de governo rivais entre 2014 e 2016.
A ONU vem trabalhando para reunir as instituições divididas do país desde o final do último grande confronto em 2020, mas muitos analistas acusaram a elite política de bloquear os esforços de reconciliação.
- Milícias -
A infra-estrutura do país está arruinada e sua economia prejudicada, o que significa que, para os líbios normais, os riscos não poderiam ser maiores.
"O custo de vida é obsceno", disse Abdul Mawla al-Kaseh, morador de Shahat, no nordeste da Líbia.
Salem Bakkar, também de Shahat, disse que não importa quem chefia o governo, desde que "enfatize a importância da reconciliação e exorte a realização de eleições".
A Líbia vive meses de relativa estabilidade desde um cessar-fogo histórico em outubro de 2020, que encerrou formalmente a tentativa do chefe militar do leste, Khalifa Haftar, de tomar à força a capital Trípoli, no oeste.
Mas uma colcha de retalhos de milícias locais, com apoio estrangeiro e ligadas a figuras políticas, continuam a disputar o controle.
Dbeibah e seu governo de unidade foram nomeados com um mandato para levar o país às urnas, que acabaram descarriladas por diferenças sobre sua base legal e candidatos contenciosos.
Isso deixou pontos de interrogação sobre o roteiro da ONU.
O parlamento liderado pelo Leste – cujo mandato terminou em 2015 – argumentou que o governo de Dbeibah havia passado do prazo de validade e intensificou os esforços para removê-lo.
Com Bashagha agora desafiando seu poder, apoiado pelas forças de Haftar, alguns analistas temem um retorno ao conflito.
No entanto, isso pode ser muito diferente das rodadas anteriores de violência alimentadas pelas divisões geográficas do país.
"Realmente não há uma divisão Leste-Oeste como havia um ano atrás", disse Amanda Kadlec, ex-membro do painel de especialistas da ONU sobre a Líbia.
"O que é potencialmente perigoso é a violência em Trípoli, já que Bashagha e Dbeibah têm conexões profundas no oeste da Líbia", acrescentou.
Millett também alertou para a "potencial instabilidade em Trípoli" e disse: "A comunidade internacional deve buscar um processo claro e transparente que estabeleça um roteiro claro para as eleições".
- 'Muita coisa pode acontecer' -
A ONU disse na quinta-feira que ainda reconhece a administração de Dbeibah.
Mas no terreno, o delicado equilíbrio de poder pode facilmente mudar, disse Kadlec.
"As milícias se moverão com quem eles perceberem como tendo poder", disse ela.
Kadlec acrescentou que os grupos armados que apoiam Dbeibah podem facilmente passar para trás de Bashagha, desde que ele esteja "disposto a dar-lhes cargos no governo, continuar pagando seus salários e dando-lhes armas".
Claudia Gazzini, analista sênior da Líbia do International Crisis Group, escreveu no Twitter que o parlamento deve dar um voto de confiança no gabinete proposto por Bashagha daqui a duas semanas.
"Como os eventos recentes na Líbia nos mostraram, muita coisa pode acontecer em duas semanas", disse ela.
Poucas horas antes da votação parlamentar para substituí-lo, homens armados em Trípoli dispararam contra o comboio de Dbeibah em Trípoli.
O Ministério do Interior disse que ninguém ficou ferido - mas há temores de que possa ser o início de outra batalha ruinosa.
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