Enquanto a França se prepara para retirar as tropas do Mali, especialistas em segurança pedem à UE que desenvolva uma abordagem mais "centrada nas pessoas" para a segurança na África.
O futuro das relações de defesa e segurança da União Europeia com a África ganhou destaque esta semana, depois que a França e seus aliados europeus anunciaram planos para retirar forças do Estado do Mali, na África Ocidental.
A França e as forças da UE lideradas pela França lutam contra grupos armados no Mali desde 2013. Mas as relações do país com o Mali se deterioraram desde que os militares tomaram o poder em maio de 2021, o segundo golpe do país em menos de um ano.
Falando em uma entrevista coletiva antes da sexta Cúpula UE-África, que busca fortalecer os laços da União Europeia com a União Africana, o presidente francês Emmanuel Macron disse que a retirada das tropas francesas e missões lideradas pela França de nações europeias no Mali levaria quatro a seis meses e Paris desdobraria suas tropas em outros lugares da região do Sahel.
O presidente do Níger, Mohammed Bazoum, confirmou na sexta-feira que seu país sediará as forças Takuba lideradas pela França e elogiou seu trabalho. “São forças especiais com capacidades de resposta à ameaça representada por organizações terroristas”, tuitou.
Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores do Mali, Abdoulaye Diop, e o ministro da Defesa, coronel Sadio Camara, saudaram as discussões bilaterais com outros parceiros europeus que desejam cooperar na manutenção da segurança no país.
O anúncio da retirada, no entanto, levantou questões sobre o futuro das missões de treinamento da UE no Mali e em toda a África.
Katja Keul, vice-ministra do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, divulgou um comunicado expressando que as ações da França também terão impacto no engajamento internacional conjunto da Alemanha na região.
Além disso, algumas autoridades da UE estão preocupadas com a presença de mercenários russos e a crescente influência chinesa em partes voláteis da África, e temem que a falta de uma presença de segurança da UE possa reforçar as ambições de Moscou e Pequim.
Antes da Cúpula UE-África, o chefe de política externa e de segurança da UE, Josep Borrell, disse a repórteres: “Não estamos abandonando o Sahel. Estamos apenas reestruturando nossa presença.”
Acrescentou que o apoio da UE seria implementado de acordo com a situação política no Mali.
Lucia Montanaro, chefe da ONG de prevenção de conflitos e construção da paz na Europa, Saferworld, disse que os eventos atuais no Mali devem fazer a UE repensar, reequilibrar e reajustar sua abordagem para manter a paz e a segurança em toda a África.
“A Europa concentrou-se na militarização e nas primeiras abordagens de segurança. As respostas fortemente militarizadas suprimem os sintomas de insegurança sem abordar as causas subjacentes, como desigualdade estrutural, corrupção e governança excludente, que são motores de conflito”, disse ela.
“Os estados membros da UE precisam urgentemente prestar atenção aos fracassos dessa abordagem no Sahel, no Afeganistão e em outros lugares. Não deve ser apenas apoiar o Estado, mas realmente apoiar as pessoas desses países e aproveitar seus conhecimentos, a fim de abordar os fatores fundamentais do conflito”, explicou ela.
Apoio de segurança da UE atendendo às necessidades africanas?
Manter a paz e a segurança na África tem sido uma prioridade fundamental para a UE. Isso ficou particularmente evidente na região do Sahel, onde o bloco gastou mais de um bilhão de euros (US$ 1,13 bilhão) para aumentar a capacidade das forças militares de combater grupos armados.Julian Bergmann, pesquisador sênior do Instituto Alemão de Desenvolvimento que se concentra nas relações da Europa com a África, explica que, embora os investimentos sejam úteis, é importante entender os objetivos das missões de segurança da UE.
“Existem diferentes tipos de compromissos da UE em África. Se tomarmos o Sahel, por exemplo, existem missões de treinamento militar como a EUTM Mali, missões civis como a EUCAP Sahel e compromissos de desenvolvimento e ajuda humanitária. A formação militar, o aconselhamento estratégico dado às forças armadas africanas e a orientação são alguns dos objetivos comuns destas missões de formação da UE”, disse.
“Mas também há aspectos políticos mais amplos, contribuindo para a segurança e estabilidade na região e tornando o setor de segurança mais democraticamente responsável”, explicou.
Além da região do Sahel, a UE também está combatendo grupos armados na Líbia e na Somália e também tem missões de treinamento militar na República Centro-Africana e em Moçambique.
Mas Olivier Guriyanan, diretor executivo do Bucofore, um centro de pesquisa que opera no Chade e nas sub-regiões da África Central e Ocidental, disse que o apoio internacional e da UE nem sempre é adaptado para atender às necessidades locais.“Apesar da mobilização maciça de assistência à segurança, houve uma escalada de violência no Sahel e em outros países africanos. O que os atores internacionais precisam perceber é que a violência comunal, governos corruptos, tensões entre agricultores e pastores, saques violentos são ameaças maiores na África. Mas a percepção de segurança dos atores internacionais se reduz ao terrorismo e à migração, o que simplifica a realidade”, disse.
“O povo africano precisa de apoio internacional em termos de treinamento militar e apoio civil. Mas o foco deve estar na capacitação dos atores de segurança locais, em vez de ter soldados internacionais no terreno”, acrescentou.
'Abordagem de segurança centrada nas pessoas'
Numa conferência de imprensa após a Cimeira UE-África em Bruxelas, o Presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, destacou que tanto a UE como a África precisam de mudar a forma como lidaram com operações de paz e segurança.“Algumas missões de paz da UE estão na África há aproximadamente 60 anos. Mas os países africanos também estão prontos para mobilizar as pessoas. Fizemos isso e fizemos no G5 Sahel e em Moçambique. Mas temos que mudar a maneira como olhamos para fazer as coisas juntos”, disse ele.
Lidet Tadesse, diretora associada do Centro Europeu para o Desenvolvimento, observou que as cúpulas raramente são uma oportunidade para abordar questões complexas como segurança em profundidade. Ela disse que os países africanos também precisam afirmar sua soberania na arquitetura de segurança.
“Na Somália e no Sahel, houve apoio militar e treinamento policial suficientes da UE. Mas a percepção popular é que, apesar de tantas missões de segurança no país, os cidadãos ainda não se sentem seguros. No futuro, as discussões de segurança devem ser conduzidas em todos os níveis políticos, começando no nível local”, disse ela.
“O enquadramento de que a presença da UE visa proporcionar segurança ou a sua ausência é um caminho para a paz, é um pouco simplista quando a situação é complexa. Tal status quo não é mais sustentável e a presença internacional na região precisa ser avaliada criticamente”, acrescentou.
Montanaro, da Safer World, também acredita que a segurança é simplesmente um ingrediente da paz e explica que a UE deve realinhar sua lente para impulsionar suas relações em toda a África.
“Recriar a confiança entre civis e atores de segurança, fornecer apoio ao contrato social e aumentar os diálogos entre atores de segurança e cidadãos, garantirá que as forças de segurança da UE atendam ao povo africano”, disse ela.
“É importante que a UE reajuste sua abordagem para uma abordagem muito mais centrada nas pessoas, que aborde os fatores estruturais da insegurança”, acrescentou.
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